Embriaguez no volante não é motivo para seguradora não indenizar vítima de acidente de trânsito

Por Emerson Souza Gomes
A embriaguez no volante do segurado não é motivo para que a vítima do acidente de trânsito não seja indenizada pela companhia seguradora. Foi o que o decidiu a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – acesse aqui o acórdão na íntegra.
Entende o caso
Em acidente de trânsito envolvendo dois veículos caminhões na saída de posto de gasolina, um dos veículos foi abalroado por outro que trafegava na contramão, dando origem à ação de reparação de danos movida por empresa de transportes contra o proprietário do caminhão que causou o acidente e a sua seguradora – o veículo ofensor contava com seguro de responsabilidade civil.
+ Responsabilidade civil no contrato de transporte
Em sua defesa, a companhia de seguros alegou que não tinha o dever de reparar quaisquer danos da vítima, eis que, além de trafegar na contramão, restou comprovado que o condutor do veículo que provocou o acidente dirigia alcoolizado, sendo aplicável cláusula do contrato de seguro que exclui a indenização quando comprovada a embriaguez no volante do segurado, desobrigando-a do pagamento de qualquer quantia.
Em primeira instância, a ação originária do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, foi julgada procedente, afastando os argumentos da seguradora e condenando-a ao pagamento dos prejuízos sofridos pela vítima.
Não se conformando com a decisão, a seguradora aviou uma série de recursos, fazendo com que o caso fosse submetido à análise do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual, para a surpresa da recorrente, confirmou a sentença sob o argumento de que embriaguez no volante não constituiu motivo bastante para seguradora não indenizar vítima de acidente de trânsito.
A questão jurídica
É pacífico que a embriaguez no volante do segurado exclui a cobertura securitária. Além de dirigir alcoolizado constituir crime, no âmbito dos contratos de seguro, o segurado não pode agravar o risco contratado, que é um dos fatores empregados no cálculo do prêmio do seguro.
+ Da interpretação do art. 763 do Código Civil
Assim, existindo cláusula expressa que exclua o direito à indenização no caso de comprovada a embriaguez no volante, não se cogita de qualquer obrigação da seguradora quanto ao pagamento da importância segurada.
A questão toma tonalidade diversa, porém, quando envolve terceiros, como no caso analisado pelo STJ: seria eficaz perante a vítima de acidente de trânsito, cláusula que exclua a cobertura securitária na hipótese do sinistro ser causado por embriaguez do segurado, discutiu-se no Tribunal.
A vítima pode acionar a seguradora
Em um primeiro momento, a questão leva a uma resposta positiva. Os contratos de seguros estabelecem obrigações somente entre seguradora e segurado, sendo por vezes erroneamente encarados como uma forma do segurado ser reembolsado por eventuais prejuízos que venha a causar a terceiros. No acidente dos autos, em um primeiro momento, o ofensor deveria indenizar a vítima para depois buscar o reembolso na seguradora, momento em que teria negada a cobertura visto a cláusula excludente e a comprovada embriaguez.
+ Atraso na entrega de imóvel pela construtora: conheça os direitos do comprador
Tal inteligência acaba por punir a vítima de acidente de trânsito. Para compreender, basta imaginar o terceiro prejudicado, mesmo sendo flagrante a culpa do segurado no acidente, não conseguir cobrar até mesmo em juízo o seu prejuízo, como no caso da inexistência de bens em nome do segurado. Nesta hipótese, é flagrante que, caso o segurado não acione o seu seguro, ou acionando, sendo negada a indenização, a vítima jamais será acobertada dos danos.
A jurisprudência, porém, firmou-se no sentido de que o terceiro prejudicado, independentemente do seguro ser acionado, pode ingressar com ação diretamente contra a seguradora ao lado do segurado, respondendo ambos pelo prejuízo e evitando, desse modo, uma possível injustiça.
Se beber não dirija
Há um argumento bastante forte para que seja considerada válida a cláusula que exclui a indenização de terceiros mesmo no caso de embriaguez do segurado. A atual política de trânsito é impassível quanto a censurar o binômio álcool e volante.
Seria um alento, àqueles motoristas que menosprezam os efeitos do álcool, a vítima ser indenizada pela seguradora no caso de embriaguez do segurado. O contrato de seguro, nesta ótica, acabaria por acobertar uma prática ilícita no trânsito, devendo ser prestigiada a cláusula que limita a indenização.
Quanto ao terceiro, não estaria exposto a qualquer injustiça. Existe um sem número de vítimas que não são indenizadas em razão do causador do dano não possuir bens para pagar a indenização. Não será, então, o fato de existir um seguro (por uma razão circunstancial) que fará com que determinada vitima seja tratada diferentemente de tantas outras. O “se beber, não dirija” não admite exceções. A cláusula que limita a indenização é no todo válida sobretudo por estar em consonância com a política de trânsito atual.
A posição da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
Ainda que tenha havido voto divergente, para a Terceira Turma, com relação à validade da cláusula contratual que exclui a indenização no caso de comprovada embriaguez do motorista, pode-se sintetizar que:
a) Com relação ao segurado, a cláusula é válida, excluindo o direito à cobertura securitária;
b) Com relação a terceiros, a cláusula é ineficaz, sendo dever da seguradora efetuar o pagamento à vítima da importância segurada relativa à responsabilidade civil;
Para a Turma, o seguro de responsabilidade civil não visa somente proteger um interesse econômico do segurado, mas também preservar o interesse de terceiros. Afora isto, ficou sabatinado que o contrato de seguro não visa tão somente reembolsar o segurado, mas constitui uma garantia da vítima, ou seja, há uma função social que deve ser prestigiada. Por fim, ainda com base na função social dos contratos, negar a indenização, por conta da embriaguez no volante do segurado, seria penalizar a vítima.
Leia também:
Da interpretação do art. 763 do Código Civil
Emerson Souza Gomes, advogado especialista em direito empresarial, sócio da Gomes Advogados Associados, email emerson@gomesadvogadosassociados.com.br, fone (47) 3444-1335
Postagens recomendadas

Liminar proíbe supressão de APP em terreno de marinha
27 de julho de 2022

Ocupação irregular de áreas de preservação permanente
25 de julho de 2022

Diminuição de água em imóvel rural gera indenização
25 de julho de 2022