Concorrência desleal: saiba as práticas vedadas pela lei

Concorrência desleal: saiba as práticas vedadas pela lei. A livre concorrência é de suma importância para a economia. A lei veda expressamente práticas que visam influenciar clientes por configurarem concorrência desleal, mas não existe um rol taxativo.

Por Emerson Souza Gomes

(post atualizado em 13 de janeiro de 2021)

Não existe na lei um rol taxativo de práticas que configuram a concorrência desleal

De antemão, não existe um rol taxativo de práticas que configuram a concorrência desleal.

A Lei n. 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, dispõe ser crime a concorrência desleal, enumerando uma série de práticas bastantes a configura-la.

No entanto, no campo cível, para efeito de reparação de danos, os atos que caracterizam a concorrência desleal não se limitam ao disposto na referida lei, sendo permitido ao juiz reconhecer a prática ilícita através da análise dos fatos apresentados e provados pelas partes.

Pode-se, porém, afirmar: não se trata de uma tarefa fácil identificar a prática de concorrência desleal. Isto porque parte-se do princípio que a Constituição assegura a liberdade de iniciativa e a livre concorrência.

Concorrência desleal é crime

Concorrência desleal é crime. De acordo com o art. 195, da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, comete crime de concorrência desleal quem:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

Lei 9.279/1996

A lei 9.279/1996 prevê pena de 3 meses a 1 ano, ou multa, a quem incorrer em uma das condutas tipificadas como concorrência desleal.

Reparação de danos decorrentes da concorrência desleal

Como já destaquei, no campo cível, os atos que caracterizam a concorrência desleal não se limitam àqueles que constituem crime.

Para efeito, sobretudo de reparação de danos, o juiz poderá reconhecer a prática através da análise de outros fatos apresentados e provados pelas partes que não somente aqueles cuja lei 9.279/96 elenca como ilícitos penais.

De outra parte, a citada lei 9.279/96 ressalva o direito da empresa prejudicada de haver a competente reparação por perdas e danos decorrentes de atos de concorrência desleal:

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

Lei 9.279/96

A reparação civil, em virtude da prática de concorrência desleal tem ainda abrigo no Código Civil, em seu art. 186, que prevê:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Código Civil

Em complemento, o Código Civil prescreve, em seu art. 927 que:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Código Civil

Cumpre dar destaque, existir jurisprudência, em sede de Superior Tribunal de Justiça, que condiciona a caracterização da concorrência desleal, não só ao intuito de captação de clientela de concorrente, causando-lhe danos e prejuízos ao seu negócio, mas que seja empregado um meio fraudulento, voltado tanto para confundir o consumidor quanto para obter vantagem ou proveito econômico (REsp n. 1.376.264/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Terceira Turma, j. 9-12-14).

Demandas judicias sobre concorrência desleal são de alta complexidade

Por fim, vale novamente denotar que, em função da liberdade de iniciativa e da livre concorrência serem direitos assegurados na Constituição, essenciais para o funcionamento do mercado, a caracterização da concorrência desleal deve restar indubitável.

Assim, demandas judiciais do gênero sempre terão um alto grau de complexidade, requerendo uma análise acurada do caso concreto para, assim, se concluir se houve exercício regular de livre concorrência ou prática de concorrência desleal.

Base legal

Lei 9.279/1996

Código Civil

Doutrina: concorrência desleal

Tribunal de Justiça de Santa Catarina

“(…) entende-se como concorrência desleal o conjunto de condutas do empresário que, fraudulenta ou desonestamente, busca afastar a freguesia do concorrente, […] à medida que se caracteriza pelos meios ilícitos adotados pelo empresário para angariar clientela, em detrimento dos demais concorrentes” (FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2020). (Excerto extraído de Acórdão do Tribunal de Justiça, processo nr. 0308716-06.2015.8.24.0023 (Acórdão do Tribunal de Justiça)

“Acerca da matéria, ensina Fábio Ulhoa Coelho:

É uma questão teórica de difícil elucidação a do conceito de concorrência desleal (cf. Cerqueira, 1946:1.266/1.271; Ripert-Roblot, 1947:336). Não há competição empresarial sem o intuito de conquista de mercado. Desse modo, o elemento fundamental da concorrência, sua essência mesmo, é o intuito de alargar a clientela, em prejuízo de concorrentes dedicados ao mesmo segmento de mercado. O objetivo imediato do empresário em competição é simplesmente o de cativar consumidores, por meio de recursos (publicidade, melhoria da qualidade, redução do preço etc.) que os motivem a direcionar suas opções no sentido de adquirirem o produto ou serviço que ele, e não outro empresário fornece. Ora, o efeito necessário da competição é a indissociação entre o benefício de uma empresa e o prejuízo de outra, ou outras. Na concorrência, os empresários objetivam, de modo claro e indisfarçado, infligir perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos.

[…] Sendo assim, não é simples diferenciar-se a concorrência leal da desleal. Em ambas, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado que haviam conquistado. A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita. Nos efeitos produzidos, a alteração nas opções dos consumidores, também se identificam a concorrência leal e a desleal. São os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem. Há meios idôneos e meios inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes. Será, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva. (Curso de direito comercial: direito de empresa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 1, p. 189-190).

E, no que tange à classificação da concorrência desleal, prossegue o citado mestre:

Para Gama Cerqueira, pode-se classificar a concorrência desleal em duas categorias, a específica, que se traduz pela tipificação penal de condutas lesivas aos direitos de propriedade intelectual titularizados por empresários (isto é, os direitos sobre marcas, patentes, título de estabelecimento, nome empresarial); e a genérica, a sancionada apenas no âmbito civil. Desse modo, as práticas empresariais tipificadas como crime de concorrência desleal (LPI, art. 195) são formas de concorrência desleal específica; e as não tipificadas como crime, mas geradoras do direito à indenização por perdas e danos (LPI, art. 209), são de concorrência desleal genérica. (op. cit. p. 190-191)

Portanto, não há um rol taxativo das condutas causadoras de concorrência desleal, de modo que não apenas aquelas elencadas na lista do art. 195 da Lei n. 9.279/96 caracterizam o instituto, mas também outras que, através de uma análise subjetiva do juiz, são capazes de gerar desequilíbrio na competição empresarial (concorrência desleal genérica, consoante excerto doutrinário supra).

Por outro lado, impende destacar que, na difícil tarefa de identificar a prática de concorrência desleal, não se pode desconsiderar a incidência dos princípios gerais da atividade econômica, notadamente o da “livre concorrência” (art. 170, IV, da CF/88), a qual é inerente às atividades empresariais, sendo imprescindível para a circulação de riquezas e o crescimento econômico do país.

A respeito, Sérgio Varella Bruna comenta:

Livre iniciativa e livre concorrência são, pois, princípios intimamente ligados. Ambos representam liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas, entre outros, pelos imperativos de justiça social, de existência digna e de valorização do trabalho humano. Assim, o que a Constituição privilegia é o valor social da livre iniciativa, ou seja, o quanto ela pode expressar de socialmente valioso. Da mesma forma, a livre concorrência é erigida à condição de princípio da ordem econômica não como uma liberdade anárquica, mas sim em razão de seu valor social. A extensão de tais liberdades dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios, não só da ordem econômica mas da Constituição como um todo.”

Desta forma, a consagração da livre iniciativa e da livre concorrência não exclui a atuação do Estado no domínio econômico, seja exercendo sua função de agente normativo e regulador da atividade econômica (CF, art. 174), seja atuando com vistas à preservação da própria livre concorrência, como agente repressor dos abusos do poder econômico. Entretanto, não se pode perder de vista que, muito embora sejam limitadas as liberdades de iniciativa e de concorrência, isto não significa que possam ser admitidas restrições além de um certo ponto. É imperativo da ordem econômica que tanto a iniciativa econômica quanto a concorrência sejam livres, não se admitindo modalidades de intervenção estatal que venham a suprimir por completo tais liberdades, ainda que transitoriamente, assim como não são admitidos os atos de agentes privados que produzam tal efeito. (O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 136-137) Sendo assim, não se pode olvidar que ao particular é assegurada a liberdade para o exercício de qualquer atividade, salvo vedação legal, sendo esta liberdade essencial para fomentar a concorrência e estimular o comércio de produtos e serviços, respeitada, por óbvio, a lealdade da competição.”

(Excerto extraído de Acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 0004243-68.2011.8.24.0030, de Imbituba, Relator: Desembargador Jaime Machado Junior)

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