Usucapião: qual documento é considerado “justo título”

Mulher vestindo blusa marrom com olhar interrogativo na direção do titulo da postagem escrito ao seu lado
Usucapião: qual documento é considerado "justo título"

O tempo necessário de posse, para efeito de usucapião, é reduzido substancialmente quando o interessado a exerce com “justo título”. Mas qual documento é considerado “justo título”?

Usucapião extraordinária versus usucapião ordinária

A regra geral é a de que não é necessário “justo título” para adquirir um imóvel pela usucapião.

Conforme o Código Civil, “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença (…) (art. 1.238)”.

O dispositivo de lei acima trata da “usucapião extraordinária”, onde não é necessário o exercício da posse com “justo título” para aquisição da propriedade.

Mas se na “usucapião extraordinária” deve se exercer a posse por 15 anos, na “usucapião ordinária”, o tempo de posse para aquisição da propriedade passa para 10 anos.

Para se beneficiar de um prazo menor, no entanto, o interessado deve cumprir com um requisito, ou seja, exercer a posse com “justo título” e “boa-fé”; vejamos o que diz o Código Civil:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Código Civil

Acerca da boa-fé, acesse o post O que é posse de boa-fé? para saber mais.

Findando este tópico, uma diferença marcante entre a usucapião ordinária e a usucapião extraordinária é o requisito do exercício da posse com “justo título”…

…Mas o que é “justo título”?

O que é justo título na usucapião ordinária

De acordo com o Código Civil, o justo título figura com um requisito para aquisição da propriedade por intermédio da usucapião ordinária.

Com base no “justo título” o possuidor tem a crença de que é proprietário do imóvel, porém, em virtude do seu “justo título” possuir algum defeito, não se presta a transferir a propriedade, impedindo-o que inscreva o imóvel em seu nome frente ao Cartório de Registro de Imóveis (CRI).

Para usucapião ordinária, serve como “justo título” aquele documento que, embora não seja um titulo hábil a transferir a propriedade, tem por efeito causar no possuidor a ilusão de que o documento que possui é bastante para se considerar proprietário do imóvel, provocando-lhe, assim, uma sensação falsa de segurança jurídica.

Exemplos comuns de justo título

É bom lembrar que somente se adquire a propriedade de um bem imóvel no momento em que há o registro da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis.

Antes do registro, ainda que paga todas as prestações, ou por maior o tempo de exercício de posse, frente a terceiros (que costumam recorrer ao registro público para extração de certidões e consultas) o proprietário do imóvel será aquela pessoa que constar no registro, ou seja, na matrícula do CRI.

Existe certo dissenso, entre os estudiosos do direito, quanto ao conceito de “justo título”.

Mas para você, que busca na internet informações para regularizar o seu imóvel, vou dar dois exemplos corriqueiros de “justo título” bastante elucidativos.

Uma escritura de compra e venda é um título hábil para a transmissão e registro da propriedade frente ao Cartório de Registro de Imóveis.

Suponha então duas hipóteses:

– quem vendeu o imóvel, assinando a escritura, não era o seu verdadeiro proprietário;

– o vendedor era menor e não contou com a representação ou assistência da pessoa de direito.

Em ambos os casos, a escritura não se prestará a registro no CRI e, por conseguinte, não haverá a transmissão da propriedade para o comprador. A compra e venda do imóvel, inclusive, pode ser anulada.

No entanto, nos exemplos, a escritura representa um legítimo justo título que, caso transcorra o prazo previsto para aquisição da propriedade pela usucapião ordinária, servirá para a aquisição da propriedade.

Causas frequentes que impedem o registro da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis

Vamos agora ver alguns exemplos de causas que costumam impedir o registro da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis:

a) O vendedor não é proprietário do imóvel

Trata-se aqui da “alienação a non domino”, ou seja, quando quem transfere a propriedade do imóvel não é o seu proprietário, sendo que o adquirente, no ato da compra, não tem conhecimento deste fato.

Na compra, o adquirente (ou qualquer outra pessoa que estivesse na sua posição) tem plena convicção de que o negócio é no todo regularr obedecendo o que prescreve a lei.

Acontece que, como ninguém pode dispor de mais direitos do que tem, não sendo o vendedor o proprietário do imóvel, não se há de cogitar da possibilidade da transferência da propriedade.

E se a transferência vier a ocorrer, com o registro da escritura de compra e venda à margem da matrícula do CRI, o real proprietário poderá reivindicar o imóvel.

Mesmo nessa situação, o comprador poderá se valer da usucapião ordinária para regularizar a propriedade.

É que a escritura, ainda que não tenha sido assinada pelo real proprietário do imóvel, serve como justo título, aplicando-se o disposto no parágrafo único do art. 1.242 do Código Civil:

Art. 1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

Código Civil

b) O titulo aquisitivo contém um vício que pode invalidá-lo

Vamos supor agora que o vendedor do imóvel é o seu real proprietário.

E vamos supor, também, que o vendedor, no ato da compra e venda, ainda não alcançara a maioridade, estando alguns dias de completar 18 anos.

Vamos supor, por último, que o comprador desconhecia este fato, pensando tratar com alguém que pudesse, sem a necessidade de um assistente legal, dispor livremente do seu patrimônio.

Nesse exemplo, o título de aquisição da propriedade, ainda que firmado por seu real proprietário, contém um vício que pode motivar a sua anulação.

No entanto, enquanto isso não ocorrer, continuará eficaz, existindo.

Daí se dizer, em direito, que o título cumpre com o seu papel no “plano da existência”.

Ainda que a tratativa seja passível de anulação, se o comprador exercer a posse sobre o imóvel durante tempo bastante para usucapião ordinária, adquirirá a propriedade do imóvel.

Veja que a usucapião tem o efeito não só de regularizar a propriedade imobiliária, mas de “sanar” um vício que gera anulação do negócio firmado entre as partes.

A finalidade de existirem leis e direitos é promover o bem comum e, para isso, é necessário que exista segurança jurídica.

Assim, em regra, o transcurso do tempo tem por efeito regularizar uma situação irregular, sendo exceção o contrário.

As relações jurídicas se estabilizam com o tempo e, em se tratando de exercício de posse contínua, não se admite que o proprietário do imóvel despreze esse fato, ou seja, despreza que outra pessoa exerce a posse sobre um imóvel não tomando uma atitude.

Por fim, cumprindo o título o seu papel de fazer com que o negócio jurídico exista, ainda que contenha vícios, o documento é um “justo título” para efeito da usucapião ordinária.

c) O título não é eficaz para transferir a propriedade

Pode ser que alguém adquira um imóvel do seu real proprietário e que o título utilizado como instrumento do negócio, também seja adequado, não havendo como o contestar ou pedir a sua anulação.

Acontece que, mesmo assim, poder ser que o título não se preste a registrar a propriedade no Cartório de Registro de Imóveis.

No caso, o título é válido, pois conta com a assinatura do real proprietário do imóvel.

Da mesma forma, o título é “existente” ou atende ao “plano da existência”, pois não pode ser anulado.

No entanto, como não é passível de registro no CRI, não possui “eficácia”.

Para melhor compreensão, vamos tomar como exemplo a promessa de compra e venda.

A rigor, ela deve ter o seu registro em cartório para que se preste a transferir a propriedade, dispensando até a necessidade de lavrar uma escritura definitiva ao final do pagamento das prestações.

Caso não tenha ocorra o registro, a promessa de compra e venda não tem “eficácia” para transferir a propriedade, restando assim, três caminhos para o comprador, nesta ordem:

(i) conseguir a escritura definitiva;

(ii) ingressar com ação de adjudicação compulsória do imóvel;

(iii) ou, dependendo das circunstâncias, ingressar com ação de usucapião.

Em suma, o justo título poderá emanar de uma dessas três situações, sempre sendo aferido pelo magistrado conforme as circunstâncias do caso.

Alguns exemplos de documentos que servem como justo título

Para efeito de usucapião ordinária, seguem alguns exemplo de documentos que, embora possuam algum defeito, mesmo assim, podem ser úteis como “justo título”:

– Contrato particular;

– Compromisso ou promessa de compra e venda;

– Formal de partilha;

– Escritura pública;

– Cessão de direitos hereditários.

Vale lembrar que existem várias modalidades de usucapião, com prazos de tempo de posse que variam entre 2 e 15 anos.

Cuidados necessários

Por fim, a ação de usucapião depende do serviço personalíssimo de um advogado.

Engenheiros, ou quaisquer outros profissionais, podem até ter noções a respeito de temas jurídicos, mas não serão eles que conduzirão a ação judicial e que encontrarão soluções para eventuais problemas.

Não confie a propriedade do seu imóvel a uma pessoa que não tem qualificação profissional para lhe assessorar.

Base legal

Código Civil

Jurisprudência: justo título e promessa de compra e venda

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA.    TESE DE QUE A ANÁLISE SE PAUTOU EM CRITÉRIOS ESTABELECIDOS PARA REINTEGRAÇÃO DE POSSE. EXCEÇÃO DE USUCAPIÃO QUE FULMINA A PRETENSÃO POSSESSÓRIA E A PETITÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA A NON DOMINO. DOCUMENTO QUE SE PRESTA A CONFIGURAR JUSTO TÍTULO PARA FINS DE USUCAPIÃO.  

Justo título, sabidamente, se perfaz através de qualquer documento que faça o possuidor imaginar possa com ele assumir a condição de proprietário, porém tal efeito aquisitivo resulta inviabilizado por conta de algum defeito nele inserido.

Partindo dessa compreensão, lícito é afirmar que a promessa de compra e venda, em princípio, é instrumento que exige o manejo da ação de adjudicação compulsória quando a pretensão atinente à obtenção do domínio é veiculada diretamente pelo promitente comprador contra o proprietário registral (promissário vendedor) ou seus sucessores (aquisição derivada).

Episodicamente, porém, a promessa de compra de compra e venda poderá servir como justo título para o pleito de usucapião, desde que evidenciado algum vício intrínseco, como a hipótese de compra e venda a non domino.

O documento não tem eficácia para diretamente ensejar a transferência imobiliária, sendo inegável, porém, através dele, a demonstração da existência da posse com o ânimo de dono no período necessário à prescrição aquisitiva.

‘É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que justo título ‘para efeito da usucapião ordinária, deve-se compreender o ato ou fato jurídico que, em tese, possa transmitir a propriedade, mas que, por lhe faltar algum requisito formal ou intrínseco (como a venda a non domino), não produz tal efeito jurídico.

Tal ato ou fato jurídico, por ser juridicamente aceito pelo ordenamento jurídico, confere ao possuidor, em seu consciente, a legitimidade de direito à posse, como se dono do bem transmitido fosse

(TJSC, Apelação Cível n. 0300146-19.2014.8.24.0103, de Araquari, rel. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, Sétima Câmara de Direito Civil, j. 30-07-2020).

Crédito da imagem principal do post Mulher foto criado por wayhomestudio – br.freepik.com

Por Emerson Souza Gomes

Advogado, sócio do escritório Gomes Advogados Associados, www.gomesadvogadosassociados.com.br.

3 comentários

  1. Excelente trabalho. Sou advogado com graduação em direito imobiliário, mas, pela primeira vez leio um trabalho tão detalhado, objetivo e bastante didático. Parabéns por esse trabalho.

  2. Por não possuir conhecimento sobre o tema, consegui ter um ótimo entendimento e esclarecimento sobre o tema. Parabéns pelo trabalho.

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