Efeitos tributários da equiparação da operação de compra e venda de veículos automotores à operação de consignação

Efeitos tributários da equiparação da operação de compra e venda de veículos automotores à operação de consignação

1. A Lei 9.716/98 equiparou, para efeitos tributários, as operações de compra e venda de veículos automotores a “operações de consignação”, para pessoas jurídicas que tenham como objeto social esta atividade:

Art. 5º As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados”(grifei).

2. Com base no dispositivo, em 30 de janeiro de 2004, a Instrução Normativa SRF 390, assim dispôs sobre a compra e venda de veículos usados:

Art. 96. As pessoas jurídicas que tenham como objeto social, declarado em seus atos constitutivos, a compra e venda de veículos automotores poderão equiparar, para efeitos tributários, como operação de consignação, as operações de venda de veículos usados, adquiridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da venda de veículos novos ou usados. (grifei)

§ 1º Os veículos usados, referidos neste artigo, serão objeto de Nota Fiscal de Entrada e, quando da venda, de Nota Fiscal de Saída, sujeitando-se ao respectivo regime fiscal aplicável às operações de consignação.

§ 2º Considera-se receita bruta, para efeito deste artigo, a diferença entre o valor pelo qual o veículo usado tiver sido alienado, constante da nota fiscal de venda, e o seu custo de aquisição, constante da nota fiscal de entrada”.

3. Não só isto, IN/SFR/390 fixou a utilização da alíquota percentual de 32% para a formação da base de cálculo das operações do estilo que fossem realizadas a partir de 01-09-2003:

§ 3º Na determinação da base de cálculo estimada e do resultado presumido ou arbitrado, aplicar-se-á o percentual de 12% (doze por cento) sobre a receita bruta, definida no § 2º, auferida nos períodos de apuração ocorridos até 30 de agosto de 2003, e o percentual de 32% (trinta e dois por cento) para os períodos ocorridos a partir de 1º de setembro de 2003. (grifei)

§ 4º O custo de aquisição de veículo usado, nas operações de que trata esta Seção, é o preço ajustado entre as partes.§ 5º A pessoa jurídica deverá manter em boa guarda, à disposição da SRF, o demonstrativo de apuração da base de cálculo a que se refere o § 2º. § 6º As disposições desta Seção aplicam-se exclusivamente para efeitos fiscais.”

4. Desta forma, consoante o fisco, a operação de compra e venda de veículos automotores, ao passo que equiparada a uma operação de consignação, passa a ser considerada como uma prestação de serviço, fazendo com que, para a determinação da base de cálculo da CSLL, fosse aplicado o percentual de 32% sobre a receita bruta auferida, fugindo à regra geral da aplicação do percentual de 12% prevista na Lei 9.249/95:

Art. 20. A base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, devida pelas pessoas jurídicas que efetuarem o pagamento mensal a que se referem os arts. 27 e 29 a 34 da Lei no 8.981, de 20 de janeiro de 1995, e pelas pessoas jurídicas desobrigadas de escrituração contábil, corresponderá a doze por cento da receita bruta, na forma definida na legislação vigente, auferida em cada mês do ano-calendário, exceto para as pessoas jurídicas que exerçam as atividades a que se refere o inciso III do § 1o do art. 15, cujo percentual corresponderá a trinta e dois por cento”. (grifei)

5. A exceção prevista no dispositivo se refere às prestadoras de serviço, que se submetem ao percentual de 32%:

Art. 15 (omissis) § 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de: (omissis) III – trinta e dois por cento, para as atividades de: a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA”;”(grifei).

6. A interpretação da Receita Federal de que a operação de consignação consubstancia uma prestação de serviço também impacta na apuração da base de cálculo do IRPJ, posto que, de igual modo, a apuração da mesma parte da aplicação do percentual de 32% sobre a receita bruta, fugindo da regra geral, que estipula o percentual de 8%:

Art. 15. A base de cálculo do imposto (IRPJ), em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995″.

7. A diferença é substancial no montante a ser recolhido na operação de compra e venda de veículos usados, a título de IRPJ e CSLL, dependendo da interpretação que se venha atribuir à expressão “operação de consignação”. Ao que parece, uma “operação de consignação” e uma “prestação de serviço” são institutos jurídicos dessemelhantes ou, em pior hipótese, parte-se da sua dessemelhança, visto que o direito é uma ciência e, em uma ciência, os termos utilizados não podem gerar equívocos. Quero exprimir, um mesmo termo não pode ter significados distintos. Isto, com a ressalva de que o direito é uma ciência social e não exata, o que faz com que seja sempre necessária a presença do operador do direito na operação jurídica, ao contrário da operação aritmética.

8. O TRF da 4ª Região enfrentou a celeuma na apelação nº 2006.72.05.004336-2/SC, que esgrime sentença proferida em mandado de segurança coletivo favorável à interpretação de que a compra e venda de veículos automotores não se equipara a uma prestação de serviços, ou, mais precisamente, de que os efeitos tributários da equiparação legal da compra e venda de veículos à operação de consignação não faz com que seja enquadrada a atividade de compra e venda como uma prestação de serviços, passando assim a ser utilizado, na formação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, o percentual de 32%.

9. Conforme ementa e voto condutor, acolhido por unanimidade:

“IRPJ. CSLL. COEFICIENTES PARA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULOS. EQUIPARAÇÃO LEGAL. CONSIGNAÇÃO. ENQUADRAMENTO PROMOVIDO PELA AUTORIDADE FAZENDÁRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ILEGALIDADE. LEGALIDADE TRIBUTÁRIA. INCISO IV DO ART. 97 DO CTN E INCISO I DO ART. 150 DA CF/88. É ilegal o enquadramento de prestador de serviço promovido pela Autoridade Fazendária para fins de tributação (IRPJ e CSLL) das empresas cujo objeto é a compra e venda de veículos usados, pois não há na lei previsão que permita a equiparação da compra e venda de veículos por consignação à prestação de serviços (alínea “a” do inciso III do §1º do art. 15 da Lei nº 9.249/95)”. (…) “Feita pelo legislador, para fins ficais, a equiparação entre a compra e venda de veículo usado com a operação de consignação, a Administração tributária foi além e enquadrou essa operação (compra e venda de veículos usados) às operações prestação de serviços nos termos como previsto na alínea “a” do inciso III do §1º do art. 15 da Lei nº 9.249/95.”. (…) A tributação, nos termos como defendida pela Autoridade, ofende de forma cabal os arts. 97, IV, do CTN e 150, I, da CF/88: CTN: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: I – a instituição de tributos, ou a sua extinção; …” CF/88: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;…” Nesses dispositivos está consolidada a Legalidade Tributária, uma das garantias mais relevantes de proteção aos contribuintes. Por essas normas, que traduzem um dos Princípios de Direito Tributário, o poder público não pode instituir novo tributo ou agravar o ônus de exação já existente sem prévia lei. O que se vê no caso em tela é justamente o contrário, a edição de Instrução Normativa (IN SRF 360/04) e o novo enquadramento realizado pela Autoridade Fazendária que implica aumento da carga tributária – coeficiente de 8% do IRPJ e 12% da CSLL para 32% a partir de 01/09/03 para fins de determinação da base de cálculo – sem lei prévia autorizando”.

10. Pelo que foi apreciado, demonstra-se ilegal a equiparação, para efeitos fiscais, da operação de compra e venda de veículos automotores a uma prestação de serviço, sobretudo por violar garantias constitucionais, em destaque o princípio da estrita legalidade previsto na Constituição Federal da República em seu art. 150, inciso I, sendo garantido às empresas do setor o recolhimento do IRPJ e da CSLL com base de cálculo formada nos percentuais de 8% e 12%, respectivamente.

Artigo originalmente publicado em Jus Navigandi

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